Fig.1- François Froger, São Sebastião Vila Episcopal do Brasil, 1685. A primeira vista panorâmica conhecida da cidade é um desenho de 1695, do francês François Froger, e que deu origem a uma gravura em buril8 (na página ao lado). A imagem abrange desde a igreja de Santa Luzia até o morro do São Bento, tendo várias construções marcadas com letras que são identificadas em legenda. Trata-se de uma ilustração da narrativa de uma viagem do próprio Froger, ocorrida entre 1695 e 1697, publicada em Paris em 1698. Na mesma obra há mais duas gravuras do Rio, do mesmo autor, ambas com pontos de vista a partir do mar. Datada de quase meio século depois, uma aguada do frade François Moyen, de 1744, costuma ser citada em bibliografia pelos detalhes como as rodas d’água dos beneditinos e as muralhas dos fortes da ilha das Cobras e do morro do Castelo, mas, para Ferrez (2000:72) “a maior, melhor e mais audaciosa das perspectivas do Rio de Janeiro feitas até o princípio do século 19” é aquela atribuída ao italiano Miguel Ângelo Blasco (c. 1760-62): um desenho em bico de pena em que se vê desde a entrada da barra até o mosteiro de São Bento, com a ilha das Cobras (de onde a imagem foi tomada) em primeiro plano, constituindo-se assim na mais extensa vista do Rio de Janeiro no século 18. Com 2,5 m este é, então, o mais antigo panorama da cidade (in: PERROTTA, Isabela. Desenhando um Paraíso Tropical, A Construção do Rio de Janeiro Como Um Destino Turístico, FGV, 2011)
20 de Janeiro é o dia de São Sebastião. Elevada à categoria de LEAL cidade do Rio de Janeiro pelo Rei D. Pedro I o Rio de Janeiro deve seu nome ao santo e ao Rei D. Sebastião: Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. A devoção a S. Sebastião veio junto com os religiosos a serviço da Coroa Portuguesa.
Frei Vicente do Salvador afirma que a expedição que partiu de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1564, com a finalidade de combater os franceses e tamoios, foi posta sob a proteção de S. Sebastião. Decorridos os combates, a cura dos feridos pelas flechas e a surpreendente reviravolta da batalha em favor dos portugueses foi atribuída ao santo. (in: VASCONCELLOS, Simão de. Crônica da Companhia de Jesus do Estado do Brasil. Vol. 2. Lisboa: Editor A. J. Fernandes Lopes, 1865, p. 53; SALVADOR, Fr. Vicente. História do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1889, p.74-75.)
Em 20 de Janeiro de 1567, ao chegar no Rio de Janeiro, o governador Mem de Sá “chamou a cidade de S. Sebastião, não só por ser nome de seu Rey, senão por agradecimento dos benefícios recebidos do Santo” (SALVADOR, 1889, p. 79). O Pe. Anchieta, na Carta da Baía, datada de 9 de Julho de 1565, sugeria que, para proteção divina e prosperidade da terra, fosse ela intitulada cidade de S. Sebastião (Cartas, informações, fragmentos históricos e Sermões do Pe. José de Anchieta, p. 245 e 254). A intenção de nomear a cidade em louvor ao protetor do Rei atendeu ao propósito dos jesuítas, dando testemunho de que a relação sincrética entre o Monarca e o Santo alcançou a maior cidade portuguesa de além-mar.
A tragédia de Alcácer Quibir em Marrocos onde el Rei D. Sebastião é dado como morto encerra a dinastia de Avis inaugurando a expectância messiânica portuguesa no “retorno” de D. Sebastião, sentimento que perdura desde então. A campanha de África de D. Sebastião tem um legado pouco citado, mas, sobremaneira relevante. A partir da Batalha de Alcácer Quibir, seguida da Batalha de Lepanto, o Império Otomano deixou de expandir e começou a se desagregar, consolidando uma vitória importante para o cristianismo e para um mundo mais globalizado. No Brasil, o mito de D. Sebastiãao virá pelas mãos e boca de Jorge de Albuquerque que participou da Batalha ao lado do Rei D. Sebastião, assegurando que este não morreu em África. Os feitos de Albuquerque estão cantados no poema Prosopopeia, de Bento Teixeira, publicado em 1601.
Fig.2- Paço Imperial, Rio de Janeiro
Fig.3 -Os três mapas representados numa mesma folha foram feitos por O primeiro mapa tem o título: “Prospecto da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro: situado no Brasil na América Meridional pelos 23 graos de latitude e 342 graos e 22 minutos de longitude meridional. Copiado exatamente do que se deixou em 1775”; o segundo mapa tem o título: “Planta ydografica da famoza Bahia do Rio de Janeiro dentro da qual em a sua margem se acha situada a cidade de São Sebastião: demostrão se a entrada da sua barra, ilha que a dentro e fora bem com os seus rios que do continente vêm desaguar neste lago de que em partes sem astras as braças que têm fundo”; e o terceiro mapa tem o título: “Planta da cidade de São Sebastião do Rio de Jane[iro]”. [Biblioteca Nacional Rio de Janeiro].
O MITO DO REI ENCOBERTO NA GUERRA DO CONTESTADO (1912-1916)
“Ao longo dos séculos, S. Sebastião não foi esquecido. Além das paróquias nomeadas em sua homenagem, número expressivo, mas difícil de precisar, de povoados e sede de municípios igualmente o recepcionaram como protetor. No planalto catarinense, alguns anos antes da eclosão da guerra, S. Sebastião foi reconhecido como o patrono de parcela significativa das capelas erguidas em vilarejos, povoados e fazendas.
Fig.4- D. Sebastião velho e moço
Iniciando a atividade pastoral na última década do séc. XIX, Fr. Rogério Neuhaus, ao chegar a Lages, observou a realização da festa em homenagem ao mártir no dia 20 de Janeiro de 1893 (NEUHAUS, cf. SINZIG, 1939, p. 118). O frade também reconheceu a ocorrência da devoção ao santo em Herval, Taquarissá (não confundir com Taquaruçu), Serra do Vieira e Perdizes, também conhecida como S. Sebastião das Perdizes ou S. Sebastião da Boa Vista (cf. SINZIG, 1939, p. 180, 182, 188 e 199).
Consultando as reminiscências de Fr. Neuhaus, referentes ao ano de 1905, obtêm-se uma amostra significativa dos diversos santos que honravam as capelas erguidas em diversas comunidades do planalto catarinense. Da compilação dos dados apresentados pelo frade, verifica-se que seis capelas eram dedicadas a Nossa Senhora (N. S. Aparecida, N. S. de Lourdes, N. S. das Dores, N. S. da Piedade, N. S. do Socorro e N. S. da Conceição – cf. SINZIG, 1939, p. 143, 181, 183-184, 188, 197); S. Sebastião surge com cinco (cf. SINZIG, 1939, p. 180, 182, 188 e 199), estando à frente de S. Antônio (quatro capelas) e de outros santos (SINZIG, 1939, p. 180-184 e 188). Era, portanto, personagem conhecido dos habitantes do planalto, desfrutando papel de destaque entre os santos cultuados pelos católicos.
Nos últimos dois séculos, a historiografia brasileira registrou a ocorrência de dezoito movimentos religiosos populares, identificados como cultos milenaristas, cuja característica comum era a crença num fenômeno escatológico iminente que, sublevando as estruturas cósmicas, haveria de instaurar uma ordem de valores em conformidade com suas próprias expectativas. Dentre estes, consta a seita da Pedra Bonita, que se notabilizou por um misticismo violento que demandava a prática de sacrifícios humanos. Fundada por dois supostos videntes, no ano de 1836, esta seita compunha-se de pessoas que aguardavam o retorno miraculoso de Dom Sebastião, o rei português desaparecido há três séculos numa cruzada africana. Conforme os registros e crônicas ainda disponíveis, os sectários acreditavam que o retorno do rei lhes propiciaria toda sorte de benefícios: os pobres enriqueceriam, os ricos teriam suas posses redobradas, os velhos rejuvenesceriam, os doentes reaveriam a saúde, e os negros se tornariam mais brancos do que a lua.1 Porém, havia uma condição: o rei voltaria através de dois enormes rochedos, semelhantes às torres de um castelo soterrado no meio do sertão, e que deviam ser lavados com sangue humano. Esta demanda teria então motivado os ritos sacrificiais que deixaram testemunhos de uma violência estarrecedora: pais atiravam os filhos do alto dos rochedos, maridos degolavam as mulheres, adultos de ambos os sexos se ofereciam para serem imolados, e até cães eram mortos para que fosse maior a quantidade de sangue. No intervalo de 8 horas, essa chacina mística (como ficou conhecida) vitimou 82 pessoas e 11 animais, e só foi contida quando os sitiantes vizinhos alertaram as autoridades policiais.
Na época, este acontecimento teve ampla repercussão, sendo divulgada na imprensa nacional e estrangeira. Algumas dessas reportagens se tornaram referências históricas, como uma crônica investigativa publicada na revista do Instituto Histórico de Pernambuco, com o título de Memórias do Reino da Pedra Bonita.2 E também no livro The Brazil and The Brazilians: Portrayed in Historical and Descriptive Sketches of Travel and Residence in Brazil, do reverendo metodista Daniel Parish Kidder, que, no 1845, teve publicação simultânea nos Estados Unidos e na Inglaterra. Nas décadas seguintes, a história dessa seita ainda serviria de tema para três importantes romances brasileiros.
No entanto, em nenhum destes documentos observou-se qualquer tentativa de analisar as circunstâncias em que essa seita teve origem e, por conseguinte, sondar as causas de um misticismo tão autodestrutivo. Eis então as questões que pautarão essa pesquisa. Recorrendo ao paradigma analítico da Teoria Mimética, tentar-se-á aqui um cotejo de todos os dados históricos com o intuito de investigar as dinâmicas relacionais que irromperam como forças entrópicas no âmago desse movimento religioso.” (in: SALOMÃO, Eduardo Rizatti. O Mito do Rei Encoberto da Guerra do Contestado (1912-1916). A discussão apresentada neste artigo foi explorada na tese “A Guerra de S. Sebastião (1912-1916): um estudo sobre a ressignificação do mito do rei encoberto no movimento sociorreligioso do Contestado” (SALOMÃO, 2012)).
Fig. 5- O Encoberto, Lima de Freitas
Fontes:
LEITE, Antônio Áttico de Souza. Memória sobre a Pedra Bonita ou Reino Encantado na Comarca da Villa Bella Província de Pernambuco. In: Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, 1903. Tomo XI, N° 47. pp 216-249
SINZIG, Pedro. Frei Rogério Neuhaus. Petrópolis: Editora Vozes, 1939.
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